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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Em bom português: facto, fato ou tanto faz?

O dilema de hoje também está no coração da Base IV do Novo Acordo que determina, em relação às letras c e p, a sua eliminação (quando invariavelmente mudas), conservação (se invariavelmente pronunciadas) e conservação/eliminação (havendo oscilação de pronúncia, no âmbito do espaço geográfico de cada país).

No caso de Portugal, é claro que todos os falantes pronunciam o c de facto, pelo que devem escrevê-lo, não sendo admissível a grafia fato.
No Brasil, esta questão das consoantes mudas/pronunciadas foi regulada pela Base IV do Formulário Ortográfico de 1943 (redigido por uma equipa luso-brasileira, mas aplicado apenas no Brasil) que determinou:
a) “Não se escrevem as consoantes que se não proferem”. De lado de lá do Atlântico, já há 70 anos que o óptimo passou a ser ótimo e o director ficou mais leve, passando a diretor. Noutros casos, os dois países convergiram na simplificação, embora não em simultâneo: asthma/asma, assignatura/ assinatura, sciencia/ciência, gymnásio/ginásio, inhibir/inibir, psalmo/salmo, etc.
b) “Devem-se registrar os vocábulos cujas consoantes facultativamente se pronunciam, pondo-se em primeiro lugar o de uso mais generalizado, e em seguida o outro.” Exemplos: aspecto e aspeto, contacto e contato, corrupção e corrução, infecção e infeção, secção e seção, sumptuoso e suntuoso, tacto e tato, tecto e teto.

Considerando que tanto o Portal da Língua Portuguesa como a Academia Brasileira das Letras registam as grafias fato e facto para o Brasil, parece-me ser um dos casos previstos na alínea b), acima transcrita.

Informação do Portal da Língua Portuguesa:
Ortografia Antiga (1945)*1
Ortografia Antiga (1943)*2
Ortografia Nova
Notas
facto
 fato, facto
facto, fato
Na prática, a situação anterior não muda
*1- Portugal /*2- Brasil

Pesquisa no Vocabulário da Academia Brasileira das Letras:
fato s.m.
facto s.m.
No entanto, nenhum dos seis dicionários consultados associa a palavra facto ao Brasil.

CONCLUSÕES:
Facto para Portugal, uma vez que o c é sempre pronunciado.
No Brasil, o uso generalizado é fato. No entanto, as fontes fidedignas já referidas parecem legitimar também o uso de facto.

NOTAS FINAIS:
1. "A nova ortografia só se estenderá a todos os textos do jornal, respectivamente primeira página e manchete, quando já ninguém estranhar a palavra 'facto' escrita sem cê." Estas declarações de Octávio Ribeiro, diretor do jornal Correio da Manhã, que simbolizam uma corrente de opinião assumida por outras figuras conhecidas (como o ator Nicolau Breyner), nascem de uma interpretação à letra do texto do Novo Acordo, que consagra as duplas grafias:
“Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;” Base IV, ponto 1. b).
Esta alínea diz respeito a toda a lusofonia e não pode ser aplicada integral e acriticamente a todos os países.
A nota explicativa que acompanha o texto do Acordo não pode ser ignorada. No capítulo Conservação ou supressão das consoantes c, p, b, g, m e t em certas sequências consonânticas (base IV), lemos: “Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.
Consultando os dicionários, o Portal da Língua Portuguesa e a Academia Brasileira das Letras, verificamos que as duplas grafias referidas no Base IV são de naturezas diferentes:
1. Duplas grafias apenas no Brasil: aspecto e aspeto, dicção e dição, corrupto e corruto, facto e fato.
2. Duplas grafias não coincidentes no mesmo espaço geográfico: cacto, concepção e recepção (apenas no Brasil); cato, conceção e receção (apenas em Portugal).
3. A dupla grafia caracteres/carateres aplica-se apenas a Portugal.
4. O par sector/setor é o único dos exemplos apresentados que é válido para todos os países lusófonos
Nota: Quanto ceptro e cetro, deve tratar-se de um lapso, pois, com a aplicação do Acordo, passou a haver uma única grafia em todo o espaço da língua portuguesa: cetro.

2. Em caso de dúvida, a consulta (rápida e gratuita) de um dicionário online poupa tempo e arrelias. Lançando a palavra de hoje no dicionário Priberam, (http://www.priberam.pt/dlpo), obtemos este resultado:
facto
(latim factum, -i, aquilo que se fez, façanha, proeza,
..ato)
s. m.
s. m.
1. Coisa realizada. = .ATO., FEITO
2. Acontecimento.
3. Sucesso.
4. Assunto (de que se trata).
5. Lance.
de facto.: com efeito; na verdade.
ao facto.: com conhecimento (ex.: estar ao facto., pôr ao facto.). = INFORMADO
[Direito] [Direito] facto jurídico: acontecimento que pode criar, modificar ou extinguir um direito
 
 » Grafia no Brasil: fato.

» Grafia no Brasil: fato.
Clarinho como água!

Abraço.
AP

Atenção:
Nova mensagens no http://portuguesemforma.blogspot.pt:
Na ponta da língua: record ou recorde?

20 comentários:

  1. Olá,

    Verdade!
    "Clarinho como água" e muito bem explicado, à "setor", quero eu dizer.
    Mas, essa do "cetro" não sabia. Estranho. Estou a pronunciar e não me soa nada bem.
    Então recebeu o meu e-mail, desejando-lhe FELIZ ANIVERSÁRIO?
    Descuidei-me com o dia 15. Foi isso.

    Abraços da Luz, com luar.

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  2. Sou brasileiro, só digo corrupção, dicção, aspecto, recepção, concepção. Sem C ou P fica muito estranho

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    1. Obrigado pelo seu comentário.
      Escrever como diz que sempre fez (com C e P) está correto. No entanto, há que separar as águas, considerando o que escrevi no artigo.
      1º Como falante brasileiro, teria mesmo de escrever recepção e concepção, pois são as únicas grafias válidas para o Brasil.
      2º Quanto a aspecto, corrupção e dicção, pode o leitor continuar a incluir o C e o P nas três palavras, mas garanto-lhe que há dupla grafia que permite escrever, no Brasil, aspeto, corrução e dição. Se consultar o VOLP da Academia Brasileira de Letras (http://www.academia.org.br), confirmará que assim é. Se sempre escreveu de outra forma, é natural que lhe pareçam estranhas estas grafias alternativas.
      Cumprimentos.
      António Pereira

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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    3. Caro Zephyrus:
      Retomo o que respondi ao comentário de outro leitor: "há dupla grafia que permite escrever, no Brasil, aspeto, corrução e dição. Se consultar o VOLP da Academia Brasileira de Letras (http://www.academia.org.br), confirmará que assim é. Se sempre escreveu de outra forma, é natural que lhe pareçam estranhas estas grafias alternativas."
      Sendo a ABL o órgão máximo da língua portuguesa no Brasil, ela legitima o uso das grafias cujos verbetes apresenta, independentemente de serem usadas ou não pelos falantes.
      Cumprimentos.
      António Pereira

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    1. Olá, mais uma vez.
      Confirmei há pouco no Portal da Língua Portuguesa que existe mesmo uma dupla nas três palavras. ASPECTO/ASPETO (ver http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&version=all); CORRUPÇÃO/CORRUÇÃO (ver http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=c); DICÇÃO/DIÇÃO (ver http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=d).
      A língua portuguesa é, há muito tempo, um dos motivos de interesse da minha vida. No entanto, não sou globalmente contra ou a favor o AO90. Neste blogue, divulgo as mudanças sempre numa perspetiva crítica, o que pode deixar a impressão de que sou contra o AO. Tento apenas ser objetivo, ter uma postura intelectual honesta e ser útil aos leitores.
      Abraço e volte sempre.

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    3. Não houve qualquer mudança. As duplas grafias aspecto/aspeto, corrupção/corrução e dicção/dição já existiam no português do Brasil antes da adoção do Novo Acordo. Há mais de 600 palavras com dupla grafia no Brasil.
      Claro que se não quiser aceitar o que estou a dizer-lhe, está no seu direito...
      Bom domingo.

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    4. Não é questão de aceitar ou não aceitar. O fato é que nunca foi ensinado outra grafia senão a que mencionei, e a única fonte que você menciona, o VOLP, cita o novo acordo.

      Já vi portugueses indignados com a mudança nessas palavras, no entanto, no Brasil não se falou sobre elas. O que pra mim comprova duas coisas: 1) esse acordo ortográfico não padroniza coisa alguma 2) o VOLP provavelmente inclui todas as palavras do nosso idioma, incluindo as que estão com nova grafia, independente de país.

      Isso aqui é um bate-papo amigável, ou tenho por obrigação aceitar sua posição? Obrigado pela atenção. Bom domingo pra você também.

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    5. 1. Não indiquei apenas uma fonte. Na resposta ao seu comentário de 17/5, às 02.17, citei o Portal da Língua Portuguesa, onde claramente se diz que aquelas duplas grafias já existiam antes da criação e aplicação do AO90. Passo a transcrever:
      1. Ortografia antiga (1943): aspecto, aspeto; Ortografia nova: aspecto, aspeto.
      (Fonte: http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=a)
      2. Ortografia antiga (1943): corrupção, corrução; Ortografia nova: corrupção, corrução.
      (Fonte: http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=c)
      3. Ortografia antiga (1943): dicção, dição; Ortografia nova: dicção, dição.
      (Fonte: http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=d)
      NOTAS:
      1. A data de 1943 não deixa dúvidas, as duplas grafias já eram reconhecidas pelo Formulário Ortográfico de 1943, documento válido apenas para o Brasil. Em Portugal, as regras que estavam em vigor antes do AO datam de 1945.
      2, O que indico não é a minha posição, pois não tenho conhecimentos para ter posição em matéria tão complexa, mas apenas o resultado de consulta de documentos.
      3. É natural que não se tivesse falado destas duplas grafias no Brasil, pois elas já existiam.
      4. O facto de não ter aprendido algumas destas grafias não é de espantar. Na escola não se aprende tudo o que está nas gramáticas, nos dicionários e nos vocabulários. Sou professor aposentado e, com muita frequência, descubro grafias do português europeu que não aprendi na escola e que desconhecia...

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  4. Quem faz o idioma é o povo, sendo assim, palavra não escrita, não usada, não existe. Consultei aqui um velho dicionário, em vários volumes, e não encontrei a palavra "corrução". Mas enfim, a gente só vai ficar se repetindo, pelo jeito, e esse tom arrogante não me agrada.

    Abraço, e tudo de bom.

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    1. Talvez o calor da minha argumentação possa tê-lo levado a interpretar dessa forma, mas a arrogância não é algo que cultive na minha vida.
      Voltando à "corrução", pode encontrá-la nos dicionários brasileiros Aulete e Michaelis: "cor.ru.ção sf (lat corruptione) 1 O mesmo que corrupção. 2 O mesmo que máculo."
      Além da ABL, também o Portal da Língua Portuguesa regista a palavra e associa-a ao Brasil: "cor·ru·ção - Brasil".
      Abraço e boa semana.
      P.s. O que o levou a apagar parte dos comentários que fez?

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    2. Olá de novo.
      Depois da nossa última troca de comentários, tive oportunidade de falar com um amigo brasileiro da área da linguística que me confirmou o que os verbetes apresentados no VOLP da ABL são válidos apenas para o Brasil e não para todo o mundo lusófono.
      Cumprimentos.
      António Pereira

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    3. Antônio Pereira, vejo que que o senhor foi humilde e mui paciente com essa criatura na evoluída chamada, Zeplyrus. Vejo que o senhor não é simplesmente um professor, mas um mestre. Um abraço desse seu fã anônimo !!!!!!!!!!

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    4. Caro Danial, obrigado pelo seu comentário generoso. Retribuo com muito gosto o abraço. ;)

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  5. Então "Fato" sem o cê é certo também?

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    1. "Fato" sem cê é uma grafia certa, mas apenas para o Brasil.

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  6. Adorei essa página !
    Esclarecedor e muito objetivo o professor, Pereira.

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