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terça-feira, 14 de março de 2017

Um Acordo como deve ser!

Há opiniões e opiniões sobre o Acordo Ortográfico. As fundamentalistas (a favor ou contra) do “sim, porque sim” ou do “não, porque não”, numa escolástica repetitiva e militante, e as refletidas e com argumentos consistentes. No segundo caso, está o artigo do prof. Fernando Venâncio (contra o AO90, mas a favor de "um acordo como deve ser") que aqui partilho. 
Vale a pena lê-lo na íntegra, pois não será tempo perdido!

Concordo com vários dos pontos de vista apresentados. Outros, nem tanto…
1.      A facultatividade do uso de acento no pretérito perfeito nos verbos em –ar (como falamos e falámos), parece-me defensável, uma vez que as duas pronúncias estão instaladas (aberta no Sul, fechada no Norte). Quando muito, poderíamos propor, em nome da simplificação, a eliminação do acento. Foi esse o procedimento adotado no AO45 com "dezoito" (a par de “boina” e “comboio”), também pronunciado aberto no Sul e fechado no Norte).
2.      Embora defendida com argumentos consistentes, parece-me desnecessária a reintrodução das consoantes não pronunciadas, mesmo admitindo que a sua supressão pode vir a ter implicações na pronúncia.
3.      Quanto à remoção pura e simples do AO90 e esperar “que os anticorpos que ele gerou se diluam”, defendo uma revisão do texto, expurgando-os de inconsistências e erros, mas que não seja feita unilateralmente nem nos termos propostos pela Academia das Ciências de Lisboa.


Um Acordo como deve ser

Existe um antiacordismo militante. E existe um antiacordismo inteligente.

O antiacordismo militante vive num desassossego. Acredita em mundos perfeitos, mas acha irreparavelmente imperfeito o mundo que nos calhou. Por isso, irredutível no seu pessimismo, não perde tempo com a razão. Para ele, ponderar é já dormir com o inimigo.

O antiacordista militante jura que nunca lê nada, livro ou jornal, grafado segundo o Acordo de 90. É uma atitude supersticiosa, fetichista, mascarada de heroicidade. E quando lembramos que é também um luxo, somos olhados como provocadores.

Na sua desconfiança da racionalidade, o antiacordismo militante não se confia menos à retórica. Perante o Acordo de 90, mas perante qualquer intervenção na ortografia, ele declara-os «crime de lesa-pátria» e proclama que «a língua é identitária do povo e da sua cultura». Ortografia, Língua, Identidade: eis o curtíssimo percurso duma visão essencialista, desatinada, que acha que o Mundo está feito assim.

Não está. O turco continuou a ser a mesma exacta língua quando, em inícios do século XX, trocou a ortografia árabe pela latina. O farsi, ou persa, mantém-se um idioma da família do nosso (peçam a um iraniano que conte de 1 a 10), mesmo se redigido em caracteres árabes. O mirandês não pertence menos ao grupo ásture-leonês por servir-se da ortografia portuguesa. E o galego, ainda que escrito à espanhola, é de todas as línguas a mais próxima da nossa, e há até quem diga que são a mesma.

Da 'ortografia' à 'identidade' vai a distância de um desvario. Sim, o discurso da 'identidade' é o dos charlatães da política por esse mundo afora, apelando aos instintos mais básicos do córtex reptiliano. Só um profundo sentido da tragédia pode inspirar, em matéria ortográfica, os ais pela perda do 'património'. A militância antiacordista acharia «atentado à nossa identidade» um convénio internacional que se reunisse nesta Academia para retirar, com a devida solenidade, o acento circunflexo a "pêro". É que nele poderia estar escondida, quem sabe, a essência da alma portuguesa.

*
A primariedade do antiacordismo militante só tem paralelo na grandiloquência dos propagandistas do Acordo de 90. A acreditar neles, esse Acordo espelharia, que digo eu, garantiria a «unidade essencial da língua portuguesa».

De resto, são parcos em ideias sólidas sobre aquilo que apoiam. A uns, contenta-os o legalismo («O Acordo está em vigor, ponto final»), a outros, anima-os o fatalismo («O Acordo está em vigor, paciência»). Em momentos de lucidez, concedem que haverá umas pontinhas a amanhar, mas há-de pensar-se nisso quando tudo estiver ratificado. Não lhes passa pela cabeça que o amanho dessas pontinhas poderia, exactamente, lubrificar as ratificações. Mas pronto: também não lhes dêmos ideias.

Uma coisa anda, desde há muito, a pedir uma resposta: estaria o português precisado duma mexida ortográfica? Oh sim, urgentemente. Assim pensaram os participantes portugueses e brasileiros num magno congresso havido, em 1967, em Coimbra. Tudo em nome da 'Lusofonia'. A palavra não existia ainda, mas o sentimento já rondava, e  conduzia a actos de histeria colectiva. Acharam os congressistas que uma intervenção ortográfica não só era urgente como teria de ser drástica. E porque o problema mais insolúvel era o dos acentos nas esdrúxulas («género» / «gênero», «cómico» / «cômico»), ficou logo ali decidida, por jubilosa aclamação, a proposta de eliminação de todos os acentos nas proparoxítonas. Estavam lançadas as bases do fatídico Acordo de 86.

Tudo se passou, sempre, a esse nível: o da euforia pouco crítica, o do aconchego lusofónico, o da leviandade científica ao serviço de sonhos universalizantes. Ficaram dispensados os estudos exaustivos da realidade do idioma, mais o previsível reflexo de cada uma das medidas.

*
Mas, perguntemo-nos: ainda que não urgente, continuaria uma intervenção na ortografia a ser desejável, ou mesmo conveniente? Aí, já a questão é outra. E ela mereceria uma resposta afirmativa. Veja-se o meu discretíssimo caso pessoal.

Em 1984, publiquei no Jornal de Letras uma proposta de Reforma da ortografia do português, fundada na primazia da pronúncia. Era uma proposta radical. Previa (só uns exemplos) uma arrumação ao sector do som 's', que podemos grafar de 7 maneiras, e uma racionalização da grafia 'x', que corresponde a 5 sons diferentes. Eram medidas ousadas, mas não propriamente originais. Sabe-se que os sábios reformadores de 1911 debateram seriamente a uniformização ortográfica dos sons 'j' e 'z'. Sim, quem de nós não foi ver ao dicionário se rabugice não era com "j", ou deslize com "s"? Facto é que a minha patriótica proposta de 84 não levantou a mínima onda no lago da opinião linguística portuguesa. Dito doutro modo: fiz história, mas só eu o sei.

E porque é que fiz história? Porque, ó surpresa, o Acordo de 90 foi fundado, ele também, nesse mesmo e sadio princípio da primazia da Pronúncia sobre a Etimologia, até então primeiro e determinante critério ortográfico. Sendo assim, onde é que as coisas correram mal?

As coisas começaram a correr mal muito cedo. E começaram nessa falha, por parte dos autores do Acordo, em assumir agora a Pronúncia, e mais exactamente a Pronúncia de cada país, como critério decisivo da grafia do Português. Ficaram-se pelas águas mornas das 'pronúncias cultas', em si uma novidade meritória, mas mais insinuada do que definida.

O pior veio depois. A sã prioridade do critério sonoro morreu na praia portuguesa. Fez-se facultativo o assinalar das nossas diferenças de tipo falamos e falámos. Prescindiu-se da diferenciação gráfica dos nossos pára e para. De bem maior envergadura, e bem mais prenhe de consequências, foi o desproteger das vogais átonas anteriores a certas sequências consonânticas. Refiro-me, claro, à diferenciação gráfica de coacção e coação, ou de corrector e corretor. E, se é certo que estas perfeitas novas homografias se conservam escassas, numerosíssimos são os novos casos de dúvida, e dúvida crescente, que o desaparecimento das consoantes em jogo já começou a trazer. Acenar com os restritos casos de tipo padeiro ou de tipo inflação, ou com o fechamento em actual e mesmo em bactéria, é mera demagogia. O nosso vocalismo átono, que já era duma enervante indeterminação, vê agora os escolhos sonoros multiplicarem-se exponencialmente. Não era o momento de mexer em matéria tão fluida, tão instável, tão já de si caótica. Saiu-nos a emenda bem mais insuportável que o soneto.

Para que a tempestade fosse mesmo perfeita, não se cuidou de uma prevenção de riscos, nem depois se vislumbrou qualquer intervenção pedagógica. Essa total ausência de acompanhamento profissional das sacudidelas que um Acordo destes sempre traria, essa ausência é, em si mesma já, uma forma de pública auto-desconsideração. E se é certo que, por parte dos linguistas portugueses, o interesse pelo Acordo de 90 é, e foi sempre, decepcionante, também é verdade que a célebre "Nota Explicativa" dos autores do Acordo ficou estes 27 anos a falar sozinha. É que jamais alguém forneceu a mínima defesa técnica, científica, do Acordo. Tudo quanto se ouviu foi alarido ideológico, jogos de sombras sobre uma etérea 'unidade', numa ainda mais impalpável 'lusofonia'.
*
E agora? O cenário não está para festas. Dadas as patentes limitações do legislador em matérias linguísticas (lembrou-o hoje Nuno Pacheco no Público), resta-nos a resistência até ao fim dos nossos dias, que se desejam longos e repletos.

Não era o futuro que sonhávamos? Não era. Alguém o pediu assim? Ninguém, que se saiba. Pobres, sim, dos professores, pobres das criancinhas. O verdadeiro problema ainda são eles, os que não têm safa. São eles os que merecem, e por isso podem exigir, que abandonemos a zona de conforto, e devem poder contar com o nosso empenhamento, o nosso activismo. Onde restar ainda uma brecha de racionalidade, é obrigação nossa explorá-la.

A primeira medida inteligente poderia ser que, sim senhor, algumas propostas do Acordo de 90, não sendo transcendentais, são aceitáveis. Estão entre elas

― a eliminação do hífen em formas de haver de,

― a eliminação de acentos nas formas verbais dêem, crêem, lêem ou vêem (mas nunca em dêmos ou em fôrma),

― a inclusão no alfabeto das letras K, W e Y,

― uma boa arrumação nos usos do hífen,

― a eliminação do 'c' em Árctico e Antárctico,

Também não tenho objecção de princípio a que os nomes dos meses e das estações se iniciem por minúscula. Sem entusiasmo, mas também sem birra de maior.

E, no limite, até concordaria com a eliminação do acento gráfico em estóico, heróico ou paranóico, coisa que, vendo bem, não serve qualquer propósito unificador, e apareceu no Acordo como Pilatos no Credo.

Uma palavra sobre os "aperfeiçoamentos" que a Academia das Ciências recentemente propôs para o Acordo de 90. São, a meu ver, medidas problemáticas, ao visarem uma observância ainda mais rigorosa dos propósitos unificadores do Acordo e, sobretudo, ao pressuporem no utente português um conhecimento bastante detalhado das variantes brasileiras. Mas só um exame de listas exaustivas das consequências das medidas propostas permitirá uma apreciação ponderada.

Um antiacordismo inteligente aceita as realidades do idioma, tal como recusa o bálsamo das retóricas identitárias. Mas não se faz de desentendido, e olha com apreensão as novas e crescentes confusões que o Acordo de 1990 vem fomentando. E, mesmo divertindo-se com as criativas hipercorrecções que cada dia florescem, vê nelas a prova provada de quanto tino haverá de ter-se quando se quiser intervir na ortografia do Português europeu, essa complexa e fascinante relojoaria.

*
Vamos então já para novo Acordo? Calma. Será preciso primeiro remover o actual, e dar depois tempo a que os anticorpos que ele gerou se diluam. Uma coisa é certa: a nossa ortografia está mesmo precisada duma boa demão. Uma demão bem concebida, bem elaborada, bem conduzida. Pode ir-se pensando nisso, sem pressas, sem sobressaltos, e sobretudo sem assaltos aos viandantes.

O Brasil tem, no campo da ortografia, problemas próprios, graves e crescentes, e há-de querer, um dia, dar-lhes solução adequada. Será difícil pormo-nos todos de acordo, e o mais certo é nunca mais haver 'Acordo' nenhum.

Ao contrário de outros países colonizadores, Portugal abandonou historicamente o idioma no Brasil à sua sorte. Isto é, nunca investiu na 'protecção', no estímulo, da sua norma, sobretudo em cenário colonial. E eu acho que fez bem. Permitiu o desenvolvimento duma gramática alternativa que, em não poucos aspectos, se revela mais rica, mais flexível. E a linguística portuguesa deveria evitar dar hoje apoio, mesmo por omissão, aos sectores mais reaccionários da linguística brasileira.

A nossa História foi aquela que foi, e a «defesa da unidade essencial da língua portuguesa» é hoje tagarelice ideológica, nunca tendo sido (e, repito, ainda bem) um empenho político. Sim, Portugal nunca foi linguisticamente imperialista. Uma parvoíce? Um golpe de sabedoria? É tarde para nos preocuparmos com respostas. A «desagregação» da língua portuguesa, que cada Acordo disse querer estancar, é de há muito irreversível.

Em suma: o 'Acordo' do futuro poderá ser um acordar em não nos empatarmos mais uns aos outros. E esse, senhores e amigos, será, finalmente, um Acordo como deve ser.

Academia das Ciências de Lisboa
9 de Março de 2017

sexta-feira, 10 de março de 2017

Antes do AO1990 já era assim e ninguém protestou?

Encontrei este artigo no Observatório da 
Língua Portuguesa (http://observalinguaportuguesa.org)
que mostra o que aconteceu em 1945 a muitos 
acentos desambiguadores: uma razia!

Antes do AO1990 já era assim e ninguém protestou?
Algumas homógrafas e homófonas, provindas já da queda de uma série de 
acentos diferenciadores, existentes até à reforma ortográfica de 1945. Tal, afinal, 
como agora, por via do AO de 1990, aconteceu com a forma verbal pára, agora para – 
ficando com a mesma forma da preposição homófona*.
Sei de cor a cor

Acordo para o acordo
Na corte os conjurados preparam o corte de relações
E que contas, contas tu abrir no banco?
Acerto o acerto
Gelo com o gelo
Borro as borras do café
Cerro fileiras no cerro
Com a colher vou colher flores
Não vou corar a ouvir o coro
Molho o molho aos molhos
Rego os regos do quintal
A sede mato-a na sede do clube
Sobre a lareira não há frio que sobre
Na torre não há sol que me torre
Vede bem que é preciso que a porta vede
É uma seca esta seca
Muito obrigada pelo seu apoio. Claro que eu apoio essa causa
Esta conversa é sobre o quê? Não quero que sobre comida
Você viu o jogo de futebol? Todos os sábados eu jogo

* N.E.  Além dos casos acima referidos, a eliminação do acento gráfico nas palavras 
homógrafas graves consagradas pelo Acordo de 1945, em Portugal, e pela Lei n.º 5765, 
de 18 de dezembro de 1971, no Brasil, regulou desde então muitos outros. Por exemplo: 
acerto (ê) / (é), acordo (ô) / (ó), corte (ô) / (ó), forma (ô) / (ó) (substantivos/ 
formas verbais); cor (ô) / (ó) (substantivo / elemento da locução “de cor”); 
bola (ô) e bola (ó), sede (ê) e sede (é); molho (ô) / molho (ó), ambos 
substantivos. Cf. “Supressão dos acentos nas palavras homógrafas: pelo, para, 
molho. sede, cor“, de Lúcia Vaz Pedro (“Jornal de Notícias”, 4/10/2015).
Fonte: Ciberdúvidas
Transcrito, com a devida vénia, do blogue da AICL, Colóquios da Lusofonia

segunda-feira, 6 de março de 2017

"É preciso rectificar para ratificar" - Jornal de Angola, sobre o AO90.


A divulgação das propostas de aperfeiçoamento do AO90 da Academia das Ciências de Lisboa deu origem a múltiplas reações. Nesse âmbito, divulgo e comento um artigo do Jornal de Angola, publicado sob pseudónimo. 
O autor defende as posições assumidas por Angola em relação à aplicação do AO90, entre elas a necessidade de ajustamentos do documento. Dá como exemplo de aspetos a rever “um elevado número de excepções à regra” e “um elevado número de palavras com dupla grafia”.
Se em relação às duplas grafias, é um facto que foram introduzidas cerca de 180 (embora não me parece que elas constituam um problema técnica, uma vez que tínhamos algumas), já em relação às exceções, embora concorde que não faz sentido mantê-las, o seu número é inferior às que resultam da aplicação do AO45.
Considerar relevante as “Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990” é que me parece estranho. 
O jornalista ou não leu as propostas da ACL ou leu-as com pouca atenção. Mais do que um aperfeiçoamento, o que a Academia propõe é um novo AO, resultado de uma mistura confusa entre o AO90 e o AO45…
Já a seguir, leia o artigo na íntegra, transcrito do Ciberdúvidas.

"Constata-se que são falsos os pressupostos do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90): não é possível haver uma única grafia para todos os países da CPLP; pelo elevado número de excepções à regra a alfabetização não é facilitada; o Acordo em nada contribui para uma maior promoção da Língua Portuguesa junto de Organizações Internacionais.
Para tal, torna-se necessário pagar para haver serviços de tradução. Em 2004, na V Conferência dos Chefes de Estado da CPLP, realizada em S. Tomé e Príncipe, foi aprovado o II Protocolo Modificativo do AO90, que, para além de viabilizar a adesão de Timor-Leste, estabeleceu que bastaria apenas três Estados membros ratificarem o AO90, para que o mesmo entrasse em vigor, não havendo, por conseguinte, a necessidade do mesmo ser ratificado por todos.
Cabo Verde foi o primeiro país a ratificar o AO90, seguido do Brasil. Em 2006, São Tomé e Príncipe foi o terceiro, dando assim condição jurídica para a entrada em vigor do Acordo naqueles três países. Porém, o Brasil declarou que não faria sentido o AO90 entrar em vigor sem Portugal proceder à ratificação do mesmo. Então, Portugal acabou por ratificá-lo em quarto lugar.
Angola, por seu turno, numa reunião do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), sugeriu que através de uma análise conjunta, se avaliasse a aplicação do AO90 nas escolas, mas a sua proposta não obteve resposta. Daí que, em 2008, decidisse levar a cabo uma auscultação interna, entre outros, com a participação de linguistas e sociolinguistas, juristas, jornalistas, economistas, metodólogos, diplomatas, engenheiros informáticos, editores, gráficos e livreiros, que concluíram o seguinte: o AO90 apresenta aspectos positivos, como simplificações e correcções, mas também constrangimentos resultantes da inexistência de um Vocabulário Ortográfico Comum (VOC); há um elevado número de excepções à regra, um elevado número de palavras com dupla grafia; existem situações aporéticas (aspectos cientificamente não explicados e outros não verificáveis).
Como preocupações decorrentes de uma aplicação imediata reconhecia-se, do ponto de vista linguístico-cultural, a ausência de cooperação com as línguas bantu, crioulísticas e malaio-polinésias, bem como a preocupação de se caucionarem futuramente situações aporéticas e constrangimentos, oficializando, de forma consciente, estas dificuldades. Do ponto de vista económico, considerou-se que a mudança de manuais escolares, com pouco tempo de utilização, implicava num esforço financeiro acrescido, ao que já vinha sendo feito com a reforma educativa, iniciada com novos manuais, distribuídios, gratuitamente, após 2004. Do ponto de vista educativo, constatou-se a dificuldade em capacitar, em pouco tempo, professores e alunos, numa língua aprendida maioritariamente como língua segunda. 
Face à complexidade das questões detectadas e às resistências ao próprio Acordo, nomeadamente por parte de académicos e outros intelectuais portugueses e brasileiros, Angola solicitou na XIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros, em Cabo Verde, uma moratória de dois anos para aprofundamento desta questão. Entretanto, produziu um parecer científico indicando os aspectos do AO90 considerados positivos e outros aos quais colocava reservas. Distribuiu oficialmente esse Parecer a todos os membros da CPLP, em várias reuniões de âmbito comunitário.
Em 2012, no decurso do exercício da presidência da CPLP por Angola, realizou-se, em Lisboa, a VII Reunião Extraordinária do Conselho de Ministros da CPLP, que recomendou aos ministros da Educação desta Comunidade para, «em coordenação com peritos e com o IILP, se efectuasse uma avaliação sobre o estado da aplicação e ratificação do AO90, com especial ênfase para a elaboração dos Vocabulários Ortográficos Nacionais (VON) e do Vocabulário Ortográfico Comum (VOC)». Para tal, em 2013, Angola decidiu contribuir com uma quota voluntária, para que os países com maiores dificuldades financeiras pudessem custear os seus respectivos VON. Foi de resto o único Estado membro a fazê-lo.
Contudo, ainda em 2012, realizou-se, em Luanda, a VII Reunião dos Ministros da Educação da CPLP, que, entre outros aspectos reconheceu que «a aplicação do AO90 no processo de ensino e aprendizagem revelou a existência de constrangimentos, que podem, no futuro, dificultar a boa aplicação do Acordo»; havia também «a necessidade de se estabelecerem formas de cooperação efectiva entre a Língua Portuguesa e as demais línguas de convívio nos Estados membros».
Incumbiram, também, o Secretariado Técnico Permanente (Portugal/Angola/Moçambique) para que, «junto e com o apoio do Conselho Científico do IILP e de instituições académicas dos Estados membros, se procedesse a um diagnóstico relativo aos constrangimentos e estrangulamentos na aplicação do AO90» e ainda «acções conducentes à apresentação de uma proposta de ajustamento do AO90, na sequência da apresentação do referido diagnóstico».
Estamos em crer que a análise plural do parecer apresentado por Angola, como um contributo à identificação de alguns dos problemas ora levantados para a melhoria do AO90, é uma boa proposta de trabalho para se superarem as limitações de um primeiro texto do Acordo, que, reconhecidamente, nasceu coxo. Também, o estabelecimento de um calendário de trabalho aturado interno (cada Estado-membro) e externo (todos os Estados-membros), para o melhoramento do texto do AO90, contribuiria para uma maior concertação a nível comunitário.
É neste contexto que nos parece relevante o trabalho aprovado em plenário pela Academia de Ciências de Lisboa ao elaborar um documento intitulado “Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990”. A forma dinâmica e não estática de se encarar a questão do AO90 permite aos académicos e outros membros da sociedade civil abordarem esta problemática de forma abrangente, tolerante e descomplexada, diferentemente de muitos políticos, que fazem da Língua Portuguesa um cavalo de batalha. Assim, por conta dos "donos da língua", a promoção e difusão da Língua Portuguesa é quem mais perde.
Fonte
Artigo de opinião publicado, sob pseudónimo, no Jornal de Angola de 14/02/2017, escrito segundo a norma ortográfica de 1945.

domingo, 5 de março de 2017

Ortografia: guerras de alecrim e manjerona!


Ironicamente, aquilo que era para unificar transformou-se num dos principais motivos de discórdia. Considerado ilegal por alguns, o Novo Acordo Orográfico está oficialmente em vigor em Portugal (como no Brasil e em Cabo Verde), tendo o período de transição terminado em maio de 2015.
Mas o mar da ortografia continua agitado…
1. Em 23/1/2017, foi posta em linha a Petição Cidadãos contra o "Acordo Ortográfico" de 1990 que reclama a desvinculação de Portugal desta norma ortográfica.
2. Em 26/1/2017, a Academia das Ciências de Lisboa aprovou em 26/1/2017 uma proposta de aperfeiçoamento do AO, documento inútil e que analisei AQUI.
Com a devida vénia, transcrevo a súmula apresentada no Ciberdúvidas.

O parlamento e o Governo de Portugal afastaram a eventualidade de uma revisão do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO) no país fora do quadro multilateral da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e, em concreto, no que está atribuído ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa. Esta posição decorre da audição parlamentar realizada em 7/2/2017, na qual foi discutida e rejeitada a proposta de aperfeiçoamento do AO que a Academia das Ciências de Lisboa aprovara em 26/1/2017.

Das várias notícias e artigos publicados sobre este assunto, selecionam-se:

Artigo
Data/Fonte          
01
Apontamento no Telejornal
07/2/17, RTP 1, aos 50' 49''
02
07/2/17, "Expresso (diário)"
03
07/2/17, "Público" (notícia da agência Lusa)
04
08/2/17, Nuno Pacheco, "Público"
05
08/2/17, Alexandra Carita, "Expresso (diário)"
06
08/2/17, Henrique Monteiro,"Expresso (diário)"
07
09/2/17, Joana Petiz, "Diário de Notícias"
08
09/2/17, TSF
09
30/1/17, blogue "Acordo Ortográfico: O que mudou?"
10
09/2/17, Francisco José Viegas, "Correio da Manhã"
11
01/2/17, Rolf Kemmler, AICL, Colóquios da Lusofonia
12
26/1/17, Ana Salgado, Pórtico da Língua Portuguesa
13
11/2/17, Telmo Verdelho, Rolf Kemmler, João Malaca Casteleiro, "Expresso"
14
11/2/17, Miguel Sousa Tavares, "Expresso"
15
13/2/17, Rita Cipriano, "Observador"
16
14/2/17, Wa-Zani, "Jornal de Angola"
17
16/2/17, Nuno Pacheco, "Público"

Ainda sobre a proposta de aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico que a Academia das Ciências de Lisboa (ACL) viu rejeitada pelo parlamento e pelo governo de Portugal, o programa Páginas de Português do dia 26 de fevereiro de 2017 ouviu o seu principal responsável, Artur Anselmo, que explica as razões da iniciativa e as alteraçõesem concreto. E, em contraponto, o gramático brasileiro Evanildo Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras, e o académico português João Malaca Casteleiro – um e outro criticando esta iniciativa unilateral da ACL. Aqui.

Abraço.
ProfAP