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quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Acordo ortográfico: o juiz não decide!

Conselho Superior da Magistratura diz que os juízes não podem obrigar peritos ou advogados a escrever no português pré-acordo ortográfico. Decisão de Rui Teixeira é inválida

Rui Teixeira
 
Rui Teixeira não foi o primeiro juiz a obrigar os intervenientes num julgamento a escrever no português pré-acordo ortográfico: antes dele, um magistrado de Viana do Castelo obrigou um advogado a corrigir um texto escrito em 'português atual'.
O episódio motivou uma queixa no Conselho Superior da Magistratura, que acabou por decidir que os juízes não podem, por um lado, ser obrigados a escrever segundo as regras do acordo ortográfico, mas também não podem, por outro lado, obrigar os restantes intervenientes a escrever segundo a antiga ortografia.
Esta semana, o "Público" noticiou que o juiz Rui Teixeira se recusou a aceitar um relatório do Instituto de Reinserção Social porque estava escrito no português pós-acordo. E ameaçou multar quem não escreva em português 'antigo'. Houve mais uma queixa ao Conselho Superior de Magistratura e tendo em conta a anterior decisão deste órgão parece óbvio que a decisão será considerada ilegal.
Ainda assim, os serviços do Instituto de Reinserção Social tiveram de refazer o relatório para o julgamento poder continuar.
Data: 6 de novembro de 2013

 
COMENTÁRIOS:
1. Ser juiz em causa própria (neste caso, em sentido figurado e próprio) é sempre um risco…
2. Segundo o jornal Público, em abril, o juiz Rui Teixeira escreveu que "nos tribunais, pelo menos neste [de Torres Vedras], os factos não são fatos, as actas não são uma forma do verbo atar, os cágados continuam a ser animais e não algo malcheiroso e a Língua Portuguesa permanece inalterada até ordem em contrário".
Teve azar o juiz nos exemplos que foi buscar, pois só a ata pode ser uma forma do verbo atar (mas também pode ser o fruto da ateira…).
Quanto a factos e fatos, a leitura do texto do AO (com a Nota Explicativa), mostra que os factos são nossos e os fatos continuam a ser exclusivamente brasileiros.
Sobre os cágados, a ameaça que pairou sobre o acento do animal esteve na primeira versão do AO de finais dos anos oitenta, mas caiu e não consta no texto do AO90. E se tal alteração tivesse avançado (ainda bem que não foi o caso!), não seria nada de novo, uma vez que a regra que determina que todas proparoxítonas (esdrúxulas) devem ser acentuadas apenas foi introduzida em Portugal com o Formulário Ortográfico de 1911 e cerca de 20 anos mais tarde no Brasil.
3. A cereja em cima do bolo!
Há pouco (11/11/2013), no “Jornal da Noite”, na SIC, Rodrigues Guedes de Carvalho perguntou a Miguel Sousa Tavares se achava legítima a posição assumida pelo juiz. MST não respondeu à questão e aproveitou a circunstância para apresentar a lista de razões anti-AO. RGC, que também é contra o Novo Acordo, despediu-se com uma “pérola”: “Obrigado, Miguel. Na Segunda voltamos a ver-nos com letra maiúscula.” Pois é, Rodrigo. Como o juiz, também teve azar no exemplo. Os dias da semana já eram escritos com minúscula. Mudaram os meses e as estações do ano, mas não os dias da semana. Aqui fica a Base XXXIX do AO de 1945 a comprová-lo: “Emprego de maiúscula nos nomes étnicos de qualquer natureza, nos nomes do calendário (com excepção das designações vernáculas dos dias da semana, tradicionalmente escritas com minúsculas) e nos nomes de festas públicas tradicionais.

11 comentários:

  1. Fiquei irritada com a decisão do juiz, mas feliz porque, como tu dizes, teve grande azar nos exemplos que escolheu e, ontem, acabei por fazer esse comentário no Facebook, para alguém que, como o juiz, não percebe nada do que mudou ou não. Enfim!!

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  2. Em momento algum o juíz afirma que ESTE ACORDO ORTOGRÁFICO produz as alterações que mencionou - isso já são interpretações abusivas daquilo que ele escreveu. O que ele quis dizer concretamente é que A LÍNGUA PORTUGUESA PERMANECE INALTERADA até ordem em contrário (ordem emanada do poder judicial bem entendido) e que 'cágado', 'facto' e 'acta' são o que são independentemente de qualquer 'acordo ortográfico' (este ou outro qualquer) que os políticos venham a inventar.

    Podemos não concordar com o juíz mas não devemos interpretar à nossa maneira aquilo que ele disse.

    Pedro Oliveira Reis

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    1. Boa noite, Pedro.
      Meter, intencionalmente ou não, no mesmo saco "cágado", "facto" e "acta" é misturar três coisas distintas: a 1ª versão do AO (que caiu), o aparente uso facultativo em Portugal de "facto"/"fato" (esclarecido pela Nota Explicativa) e uma mudança real no AO em vigor (a queda do c em "acta").
      Logo, não retiro nada do que disse no comentário. Se sentisse que era abusivo, como diz, não teria qualquer problema em refazê-lo.
      Não concordo nem deixo de concordar com o facto de o juiz ser contra o AO. É apenas uma questão de coerência técnica (que neste caso não existe). O trabalho que desenvolvo no blogue pretende ser técnico e não emotivo.
      Cumprimentos.
      António Pereira

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  3. O seu comentário inicial está certíssimo com excepção da parte em que diz: 'teve azar o juíz nos exemplos que foi buscar'. Ele deu 3 exemplos que no seu entendimento desvirtuam a língua mas em nenhum momento atribui isso ao acordo ortográfico.

    Assim, o juíz escolheu aqueles três exemplos como podia ter escolhido outros quaisquer - não teve azar... nem teve sorte...

    Mas não se preocupe porque não foi só você: toda a comunicação social tratou o assunto como se o juíz Rui Teixeira não conhecesse o acordo ortográfico.

    Pedro Oliveira Reis

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    1. Mas se os primeiros exemplos, como expliquei detalhadamente, não correspondem a nenhum cenário (real ou hipotético), como podem eles desvirtuar a língua portuguesa?
      O juiz não podia ter escolhido outros exemplos, devia! Ao não o fazer, legitima as interpretações que se possam fazer das suas palavras.
      Não sei se ele conhece em detalhe o texto do AO.
      1. Se não conhece, devia, uma vez que se pronuncia sobre o assunto.
      2. Se conhece, de duas uma: ou há má-fé ou dificuldade de ser claro na expressão das ideias.
      Tenho amigos que são entusiasticamente a favor (poucos) ou apaixonadamente contra (muitos) as novas regras, mas que as conhecem apenas "pela rama" e nunca leram a Nota Explicativa (que é essencial).

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  4. Pelos vistos eu devo ser apaixonadamente contra o acordo ortográfico.

    No entanto, sou a favor de um acordo ortográfico que unifique as ortografias portuguesa e brasileira que não este porque não unifica nada e não 'tem ponta por onde se lhe pegue'. Não me canso de dizer que talvez o que mais me tenha irritado tenha sido a massiva publicidade feita pelos acordistas sobre a unificação deste acordo para quando ele realmente chegou ao conhecimento das pessoas todos os percebermos que haviamos sido enganados.

    Ninguém gosta de se sentir enganado.

    Aqui há uns tempos uma professora e um tradutor discutiram sobre o número de palavras que se unificavam ou que se desunificavam. Parece-me irrelevante a discussão: se o objectivo fosse unificar, não poderia existir uma única palavra a deixar de se escrever da mesma forma, nem uma !!

    E é tão fácil unificar as ortografias. Pegue-se nas palavras húmido/úmido e andebol/handebol. Devia-se ter feito assim: os brasileiros tiravam o 'h' de handebol, nós tirávamos de húmido e passávamos todos a escrever de maneira igual.

    E foi isto que foi feito ? Não. Inventaram-se as duplas grafias e portugueses e brasileiros continuaram a escrever de forma diferente.
    E os acordistas ainda têm a coragem de falar em unificação ortográfica... tenham vergonha das mentiras que apregoam...

    Em conclusão, na minha opinião este acordo deve ser rasgado e já, quanto antes melhor. Acabar com ele - não presta.
    E pôr os académicos de todos os países lusófonos (não só portugueses e brasileiros mas sim todos) a trabalhar num acordo ortográfico feito como deve ser e por pessoas competentes.

    Pedro Oliveira Reis

    P.S: Com isto tudo quase não falava do caso do juíz Rui Teixeira. A minha pergunta é apenas: se o juíz não pode ser obrigado a escrever pelo acordo ortográfico pode ser obrigado a ler ?

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    1. Caro Pedro:
      Mesmo estando o AO em vigor na administração pública desde janeiro de 2012 (setembro de 2011 no sistema educativo), dado que decorre uma moratória de seis anos até à aplicação plena, não vem grande mal ao mundo que o juiz não se sinta obrigado a usar o AO no exercício das suas funções.
      Pode ele ser obrigado a ler documentos com a aplicação do AO? Aí, a minha opinião é diferente: não só pode como deve fazê-lo. Sobretudo considerando as consequências que daí podem advir na agilização de procedimentos na aplicação da justiça. Já bastam os atrasos crónicos que o sistema judicial impõe aos cidadãos.
      Nestas coisas da língua, como em tudo na vida, tem de haver tolerância e bom senso. No caso do juiz, não houve nem uma coisa nem outra.
      Quando diz no seu comentário “E os acordistas ainda têm a coragem de falar em unificação ortográfica... tenham vergonha das mentiras que apregoam...”, não está certamente a referir-se a mim. Tenho aqui escrito com frequência que a unificação das normas é um objetivo utópico. Não sendo um opositor da aplicação das novas regras, entendo que elas deveriam ser rapidamente ajustadas. Pode ser que a publicação vocabulário comum traga novidades.
      Cumprimentos e bom fim de semana.
      António Pereira

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  5. António,

    o termo 'acordista' não foi inventado por mim e pelo que tenho lido é utilizado de forma depreciativa para referir a pessoa que continua a insistir que o acordo ortográfico unificou a ortografia de todos os países lusófonos quando toda a gente já percebeu que tal não aconteceu. Malaca Casteleiro, Carlos Reis, Margarita Correia, etc...
    Não o incluo a si. Você já foi um acordo-entusiasta e é agora talvez um acordo-céptico e pela evolução que tenho visto nos seus comentários parece-me que já esteve mais próximo de se tornar 'acordista' do que agora.

    Se alguém disser que o acordo ortográfico simplificou a ortografia, podemos concordar ou não mas é um tema que pode ser discutido porque faz sentido essa discussão. Quanto à unificação ortográfica, a trave-mestra do acordo, parece patético ainda se falar nela.

    Vou lhe dar outro exemplo de unificação que poderia ter sido feita: colocar-se sempre a consoante desde que pronunciada num dos países ainda que seja muda no outro.

    Assim: recepção, percepção ou aspecto escreviam-se desta forma porque os brasileiros lêem a consoante que para nós é muda. Facto ou contacto escrevia-se assim porque nós lemos a consoante.
    Os brasileiros teriam de se habituar a escrever consoantes que não pronunciam mas que nós pronunciamos... pois... mas um acordo é isto mesmo... cedências de parte a parte. E tolerância zero quanto às duplas grafias.

    Depois de já ter lido tanta coisa sobre o acordo ortográfico incluindo claro está o texto do próprio acordo, neste momento tenho a certeza que o objectivo nunca foi fazer unificação nenhuma - a grande preocupação foi mascarar para fingir que se procedia a uma unificação. Dito de outra maneira: temos um mau produto para vender então vamos fazer uma vastíssima campanha de marketing que compense os defeitos do nosso produto e consiga que ele seja vendido.

    Pedro Oliveira Reis

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    1. 1. Relativamente à minha posição em relação ao NAO, há quatro anos que o analiso à lupa, apresentando com frequência questões ao Portal da Língua Portuguesa, Ciberdúvidas e Ministério da Educação. Logo, aprofundando conhecimentos sobre o assunto, é natural que me torne mais critíco.
      Olho o NAO numa perspetiva técnica, crítica, mas sem necessidade de ser globalmente pró ou contra. Se há decisões infelizes, que devem ser corrigidas, há outras que devem manter-se (como a sistematização da hifenização e a substituição de algumas maiúsculas por minúsculas).
      Analiso o Novo Acordo, não perdendo de vista as reformas introduzidas (em Portugal) em 1911, 1945 e 1973. E essa análise comparativa faz toda a diferença.
      2. Sobre as duplas grafias, são um verdadeiro imbróglio e parece não haver tecnicamente uma saída satisfatória. Não sou especialista na matéria, mas as duplas não são uma realidade nova. Já existiam em bom número, tanto no Brasil como em Portugal. Recorrendo às palavras que refere no seu comentário: “aspecto”, “facto” e “contacto” já tinham e continuam a ter dupla grafia (com e sem “c”) no Brasil. Por cá, também já existiam e de vários tipos: “v” ou “b” (ex.: taberna/taverna, cobarde/covarde, etc.); “i” ou “u” (ex.: oiro/ouro, loiro/louro, etc.”; na acentuação (ex.: dêitico/deítico, púdico/pudico, autópsia/autopsia, túlipa/tulipa, alcoolemia, alcoolémia, zângão/zangão, etc.) Temos até um caso curioso de tripla grafia em que todas as opções estão corretas: febra, fevra e fêvera.
      Com o AO90 introduzem-se cerca 200 novas duplas grafias.
      Como vê, meu caro Pedro, na vida como nas reformas ortográficas, tudo é relativo.
      Abraço.
      António Pereira
      P.s. Para além da língua portuguesa, um dos meus interesses são as experiências culinárias. Pode apoiar a minha receita “Melão frito com vinho do Porto” que está sujeita a votação do “site” da Visão até amanhã (basta clicar em http://visao.sapo.pt/vote-na-melhor-receita=f755934). Para ver a descrição da receita, é só ir a http://visao.sapo.pt/melao-frito-com-molho-de-vinho-de-porto=f755940
      O prémio é poder frequentar um workshop de culinária com a cozinheira Marta Bártolo.
      Obrigado.

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  6. Como já havia meia dúzia de duplas grafias a chatear... em vez de se acabar com elas, tratou de se inventar mais duzentas !!!

    Assim realmente é difícil estar de acordo com o AO-90.

    Abraço

    Pedro Oliveira Reis

    P.S.: Já votei no melão !!!

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  7. Obrigado pelo voto no melão!
    Abraço.
    António Pereira

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