Como vimos ontem, o papo-seco,
verdadeira instituição nacional, sobreviveu intacto ao Novo Acordo Ortográfico.
Aquele hífen vai continuar a confortar-nos a alma linguístico-gastronómica.
Concentramo-nos agora nas intensas, irresistíveis, deliciosas e pouco conhecidas “gargantas-de-freira”.
A imagem borbulhante das "gargantas" veio dAQUI.
Citando o sítio www.docesregisonais.com: “Este doce conventual foi trazido por um espanhol, de nome
Francisco Muñoz Gomes (Paco), cuja receita divulgou numa pastelaria que abriu
quando, no início do séc. XX, foi viver para a Covilhã, uma cidade localizada
na região centro de Portugal, junto à Serra da Estrela. Sempre fez questão de
referir que a receita deste doce fora trazida de um convento e daí o nome (…).
Este doce conventual caracteriza-se por ter fios de ovos enrolados, sob a forma
de charuto, em capa de hóstia.”
Pois é, caro leitor, as notícias são
devastadoras… O Novo Acordo Ortográfico, armado até aos dentes, com a Base XV,
nº 6, fez pontaria às “gargantas” indefesas e, num ápice, limpou-lhe os dois hífenes!
Temos agora “gargantas de freira”. A designação continua a ser um composto. Mas
assim, sem o apoio dos hífenes, apresenta-se aos nossos olhos, sensíveis e
naturalmente conservadores, com o seu quê de fragilidade.
E o que justifica o impacável lifting? Isto: “Nas
locuções de qualquer tipo, sejam elas
substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou
conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções
já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa,
mais-que-perfeito,
pé-de-meia,
ao
deus-dará, à queima-roupa).”
NAO, Base XV.
OU SEJA: LOCUÇÃO QUE NÃO É EXCEÇÃO NÃO
ESCAPA À ALTERAÇÃO!
E não é tudo! Houve uma verdadeira
razia que alterou para sempre no mundo da doçaria/pastelaria.
Só nesta curta lista de exemplos
perderam-se 26 hífenes: barriga de
freira, umbigo de freira, toucinho do céu, pão de ló, pão de Deus, pão de leite, pão de rala, papos de anjo,
queijinhos do céu, fios de ovos, trouxas de ovos, fatias da
China e, com todo o respeito… maminhas
de freira (iguaria já confecionada na Idade Média pelas monjas
cistercienses do Convento de Celas em Coimbra).
Despeço-me com beijos de freira, desejando a todos bons sonhos... de freira! (Clique nos beijos e nos sonhos e não resista à tentação...)
AP
SABIA?
"Portugal sempre teve uma grande
produção ovícola, sendo mesmo o principal produtor de ovos da Europa entre os
séculos XVIII e XIX. Grande parte da clara era exportada e usada como purificador
na produção de vinho branco ou ainda para engomar os fatos elegantes dos homens
mais ricos, nas principais cidades do mundo ocidental. Com tantas claras a
serem utilizadas para diversos fins, havia um grande excedente de gemas.
Inicialmente, eram deitadas para o lixo quantidades imensas de gemas ou então
dadas aos porcos.
A quantidade excedentária de gemas,
aliada à abundância do açúcar que vinha das colónias portuguesas foi a
inspiração para a criação de maravilhosas receitas de doces à base da gema de
ovos, nas cozinhas dos conventos. Os nomes atribuídos aos doces conventuais
estão, pois, relacionados com a vida conventual ou a fé católica." In
http://www.docesregionais.com/a-docaria-conventual-portuguesa (acedido
em 24-10-12).
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