Este é um caso curioso que alimenta um
dos principais argumentos contra o Novo Acordo Ortográfico.
Os dois grandes objetivos do AO são a
simplificação/sistematização (com destaque para o uso do hífen) das regras e a
criação de uma única norma para a regulamentação da língua portuguesa.
1. ANTES DA
ENTRADA EM VIGOR DO NOVO ACORDO (aplicava-se Acordo de 1945 em Portugal e
Formulário Ortográfico de 1943 no Brasil):
Escrevíamos,
tanto lá como cá, RECEPÇÃO.
2. DEPOIS DA
ENTRADA EM VIGOR DO NOVO ACORDO:
.No Brasil,
continua a escrever-se RECEPÇÃO;
.Em Portugal,
passou a escrever-se RECEÇÃO.
Nota
1:
Os que são contra o AO argumentam que em vez de ter havido a unificação
pretendida introduziu-se um afastamento com uma grafia para Portugal e outra
para o Brasil.
Nota
2:
Sendo verdade o que referido na Nota 1., expliquemos o porquê da queda do P num universo linguístico e da sua
manutenção no outro.
A resposta está na Base do IV do AO
(uma das mais controversas):
1. O c, com valor de oclusiva velar,
das sequências interiores cc (segundo c com valor de sibilante), cç e ct, e o p
das sequências interiores pc (c com valor de sibilante), pç e pt, ora se
conservam, ora se eliminam.
Assim:
a) Conservam-se nos casos em que
são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas da língua: compacto, convicção, convicto, ficção,
friccionar, pacto, pictural; adepto, apto, díptico, erupção, eucalipto, inepto,
núpcias, rapto;
b) Eliminam-se nos casos em que são
invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua: ação, acionar, afetivo, aflição, aflito,
ato, coleção, coletivo, direção, diretor, exato, objeção; adoção, adotar,
batizar, Egito, ótimo;
c) Conservam-se ou eliminam-se
facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral,
quer restritamente, ou
então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;
d)
Quando, nas sequências interiores mpc, mpç e mpt se eliminar o p de acordo com
o determinado nos parágrafos precedentes, o m passa a n, escrevendo-se,
respetivamente, nc, nç e nt: assumpcionista e assuncionista; assumpção e
assunção; assumptível e assuntível; peremptório e perentório, sumptuoso e
suntuoso, sumptuosidade e suntuosidade.
2. Conservam-se ou eliminam-se,
facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer
restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: o b
da sequência bd, em súbdito; o b da sequência bt, em subtil e seus derivados; o
g da sequência gd, em amígdala, amigdalácea, amigdalar, amigdalato, amigdalite,
amigdalóide, amigdalopatia, amigdalotomia; o m da sequência mn, em amnistia,
amnistiar, indemne, indemnidade, indemnizar, omnímodo, omnipotente,
omnisciente, etc.; o t da sequência tm, em aritmética e aritmético.
CONCLUSÕES:
PORTUGAL
|
BRASIL
|
receção
(porque o P era
invariavelmente mudo)
|
recepção
(pois o P é invariavelmente
proferido)
|
Observ.:
1. Temos uma dupla grafia em universos geográficos diferentes: uma
grafia para Portugal e outra para o Brasil.
2. Os outros dois tipos de duplas grafias:
a) Casos em que é possível escrever de duas formas em todo o
universo da língua portuguesa. Assim, podemos escrever, aqui como no Brasil, sector e setor (oscilação já reconhecida antes do AO);
b) Casos em que há dupla grafia num universo mas não no outro.
Exemplos: fato e facto no Brasil, mas apenas facto em Portugal; antisséptico e antissético
em Portugal, mas apenas antisséptico
no Brasil.
3.Dada a diversidade de situações, é aconselhável recorrer aos
dicionários ou aos vocabulários do Portal
da Língua Portuguesa (para os falantes portugueses) e da Academia Brasileira de Letras para esclarecer
as suas dúvidas. Tem uma lista de endereços de instrumentos de consulta online gratuitos e fiáveis no meu outro
blogue (http://portuguesemforma.blogspot.com),
na banda lateral esquerda.
Abraço.
António Pereira