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quarta-feira, 31 de outubro de 2012

.dicção, dição ou tanto faz?

Fonte da imagem AQUI.
 
Chegou-me ontem por email esta dúvida: podemos escrever dicção e dição?
A leitura a seco da alínea c), nº 1, da Base IV justifica a dúvida: “Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção;
O problema, já aqui referido antes, é a coexistência de vários de duplas grafias:
a) Uma grafia em Portugal (receção), outra no Brasil (recepção);
b) Uma grafia em Portugal (sumptuoso), duas no Brasil (sumptuoso e suntuoso);
c) Duas grafias em Portugal (conceptual e concetual), uma no Brasil (conceptual);
d) Duas grafias iguais para Portugal e Brasil (sector e setor).
 
Para saber onde encaixa o par dicção/dição, aconselho (como sempre) a consulta do Portal da Língua Portuguesa, seguindo este caminho de cliques (no menu à direita), depois entrar em http://www.portaldalinguaportuguesa.org:
“Vocabulário da Mudança” à “Palavras afetadas pelo AO” à letra “c”. Resultado:
Ortografia Antiga (1945)
(PORTUGAL)
Ortografia Antiga (1943)
(BRASIL)
Ortografia Nova
 
Notas
dicção
dicção, dição
dicção, dição
Na prática, a situação anterior não muda
Se “a situação anterior não muda”, em Portugal, continuamos a escrever dicção (o que é natural, pois sempre pronunciámos o primeiro “c”).
No Brasil, a consulta de um dicionário confirma que há dupla grafia para a norma brasileira. Dicionário Aulete:
1dição 2dição
 
1dição Datação: 1289 cf. IVPM
n substantivo feminino
m.q.
dicção
CONCLUSÕES:
Portugal (norma luso-afro-asiática)
dicção
Brasil (norma brasileira)
dicção e dição
Abraço.
AP
P.s.
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Língua viva: sim, senhor ou sim, senhora?



terça-feira, 30 de outubro de 2012

.camisa-de-onze-varas mantém ou perde os hífenes?

A. Depois de ter ouvido o líder da oposição, António José Seguro, dizer hoje no parlamento português que o executivo em funções está metido numa “camisa de sete varas”, achei oportuno escolher este o assunto da mensagem de hoje. Embora não seja incorreta a versão escolhida, seria bom que alguém informasse AJS de que a camisa costuma ter mais quatro varas e que é, na verdade, uma “camisa de onze varas”, imagem mais condizente a real situação da camisa, perdão, do país…
B. Sentido
Transcrevo, com a devida vénia, um extrato de uma resposta do Ciberdúvidas: “Segundo o dicionário, «Estar ou ver-se numa situação aflitiva eis como se decifra, na linguagem comum, esta expressão. Depreende-se dela que uma "camisa-de-onze-varas" deveria ser algo incómodo, perigoso, terrível». Em seguida, acrescenta o seguinte: «Chamava-se em tempos "pano de varas" a um tecido grosseiro, uma espécie de saragoça. Era dele que se faziam as vestes com que os condenados, por exemplo, no tempo da Inquisição, eram levados para o suplício (...). Por sua vez, a "vara" era uma medida de comprimento correspondente à yard inglesa, a jarda. Em Portugal, um tanto diferentemente de em Inglaterra, uma vara correspondia a 1,1 metros. A utilização do "onze" na expressão é feita como um indefinido, destinado a evidenciar o tamanho que a camisa teria e a dar-lhe maior peso no realce do martírio (de resto, em outras expressões populares é comum o uso de numerais indefinidos como o onze, o sete, etc.).»
C. Com ou sem hífenes?
O nº 6 da Base XV, já aqui apresentado algumas vezes, dá a resposta: “Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen, salvo algumas exceções já consagradas pelo uso (como é o caso de água-de-colónia, arco-da-velha, cor-de-rosa, mais-que-perfeito, pé-de-meia, ao deus-dará, à queima-roupa).
Não sendo uma das exceções enumeradas na regra, a locução perde os hífenes: camisa de onze varas!

No Brasil, a Academia de Letras não regista esta locução, mas encontrei-a no Aulete e no Michaelis.

CONCLUSÃO:
Portugal (norma luso-afro-asiática) e Brasil (norma brasileira)
camisa de onze varas

Abraço.
AP

P.s.
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Língua viva: sim, senhor ou sim, senhora?


segunda-feira, 29 de outubro de 2012

.cão-salsicha ou cão salsicha?


O salsicha (teckel) é considerado num estudo “o cão mais feroz do mundo”. Leia AQUI.

Numa pergunta publicada hoje no Ciberdúvidas, um consulente queria saber os femininos de várias raças: são-bernardo, rafeiro-alentejano, serra-da-estrela e cão-d’água. Extrato da resposta: “Convém, no entanto, precisar o seguinte: com exceção do «são-bernardo», julgo que nenhuma das outras raças elencadas pelo estimado consulente é comummente grafada com hífen, sendo que, no caso dos «rafeiros alentejanos», será ainda de notar que a nomenclatura usada parece frequentemente variar entre a já referida e «rafeiro do Alentejo». (…) Pedro Mateus:: 29/10/2012
Tenho por Pedro Mateus a maior das considerações, mas não estou de acordo com o que diz. Passo a explicar porquê.
A. O nº 3 da Base XV do Novo Acordo Ortográfico estabelece: “Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; bênção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inácio, bem-me-quer (nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer); andorinha-grande, cobra-capelo, formiga-branca; andorinha-do-mar, cobra-d'água, lesma-de-conchinha; bem-te-vi (nome de um pássaro).
Não havendo a referência a qualquer exceção (ao contrário do que acontece, por exemplo, no nº 6 da mesma Base XV, em relação às locuções), os compostos que designam espécies botânicas e zoológicas devem ser todos hifenizados? Se os objetivos do NAO são unificar e simplicar o uso da língua portuguesa, a resposta só pode ser sim.
 B. Encontrei, também no Ciberdúvidas, uma pergunta/resposta sobre o mesmo assunto. Transcrevo dois extratos.
Pergunta - “Gostaria de saber se, segundo a norma culta, a raça canina se escreve "perdigueiro-português" ou "perdigueiro português".
Resposta – “A respeito do nome em questão, não encontro registos lexicográficos, mas suponho que as tendências atrás indicadas também eram aplicáveis: perdigueiro-português, em Portugal, e perdigueiro português no Brasil.
O AO 1990 unifica estes casos, porque determina que em compostos que designam espécies botânicas e zoológicas se use sempre o hífen (Base XV, 3.º): donde, perdigueiro-português. Carlos Rocha:: 09/06/2010
Esta unificação a que alude Carlos Rocha confirma a ideia de que tem de haver sempre hífen neste tipo de compostos.
C. A aplicação desta regra é um dos elos mais fracos do Novo Acordo Ortográfico. A regra é boa e ajuda os utentes da língua, mas os dicionários e o Portal da Língua Portuguesa não a seguem com rigor. Provas? Ei-las nesta amostra, muito reduzida, mas significativa:
 
Hifenizado?
Raças de cães
Portal da Língua Portuguesa
Porto Editora
Priberam
São-bernardo
Sim
Sim
Sim
Rafeiro-alentejano*1
Não
Não
Não
Serra-da-estrela
Sim
Não
Não
Cão-d’água*1
Não
Sim
Não
Cão-salsicha
Não
Sim
Não
*1 O VOLP da Academia Brasileira de Letras regista cão-do-alentejo e cão-dágua.

NOTA FINAL:
Em relação às entradas de espécies botânicas e zoológicas, há um fosso imenso entre o Vocabulário Ortográfico do Português (VOP), em Portugal, e o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP), no Brasil. Considerando o tal objetivo de unificação do Novo Acordo, é incompreensível esta disparidade. Alguns exemplos:
1. Quanto à pimenta, enquanto no VOLP há 59 compostos, cá... apenas 7. A branca, a de caiena, a rosa ou a verde não são espécies? Para o Portal da Língua Portuguesa, não.
2. No feijão, outra goleada. Lá: 194; cá: 12. Mas, na lista nacional, não há feijão-branco, feijão-preto, feijão-ervilheiro ou feijão-encarnado, tudo espécies cultivadas e consumidas em Portugal.
3. Finalmente, o interessantíssimo caso do badejo. No VOP, não há escolha: apenas… badejo. Já no VOLP, há muito por onde escolher. Embora no Brasil haja apenas seis, é-nos apresentada uma lista com 17 espécies: badejo-alto, badejo-bicudo, badejo-branco, badejo-da-areia, badejo-da-pedra, badejo-de-lista, badejo-ferro, badejo-fogo, badejo-mira, badejo-padre, badejo-pintado, badejo-preto, badejo-quadrado, badejo-sabão, badejo-saltão, badejo-sangue e badejo-sapateiro.

Temos por cá, na Madeira, o badejo-amarelo, que o VOP desconhece… Imagem obtida AQUI.

CONCLUSÃO:
Portugal (norma luso-afro-asiática) e Brasil (norma brasileira)
cão-salsicha

Abraço.
AP
P.s.
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Língua viva: ferryboat, ferribote ou tanto faz?

domingo, 28 de outubro de 2012

.saca-rolhas, saca rolhas ou sacarrolhas?

De 1802. A imagem veio dAQUI.
A. Sacarrolhas
Quem já conhece as grafias autorretrato, corréu (impressionante!), antirroubo ou extrarregulamentar, introduzidas pelo Novo Acordo Ortográfico, poderá ter a tentação de aceitar o espécime “sacarrolhas” como plausível. Acontece que as quatro formas referidas no período inicial resultam da aplicação da alínea a) do nº 2, Base XVI do NAO, segundo a qual não se emprega hífen: “Nas formações em que o prefixo ou falso prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, devendo estas consoantes duplicar-se, prática aliás já generalizada em palavras deste tipo pertencentes aos domínios científico e técnico. Assim: antirreligioso, antissemita, contrarregra, contrassenha, cosseno, extrarregular, infrassom, minissaia, tal como biorritmo, biossatélite, eletrossiderurgia, microssistema, microrradiografia.
Sendo “saca” um verbo e não um prefixo, não se lhe aplica a regra que conduz, por exemplo, a “autorretrato” (com o prefixo auto).
B. Saca-rolhas
Para resolvermos o caso de hoje, teremos de ir ao nº 1 da Base XV do NAO: Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação e cujos elementos, de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal, constituem uma unidade sintagmática e semântica.
Aqui, não há novidade, pois retoma-se a Base XXVIII do Acordo de 1945 que estabelecia o uso de hífen em compostos de que resultasse “um sentido único”.
Excetuando raros casos em que já houve aglutinação (como “girassol”), os compostos resultantes da soma verbo+nome são hifenizados: conta-gotas, deita-gatos (agora, louça que se parta já não é consertada), guarda-fatos, quebra-nozes, limpa-chaminés, mata-borrão (coisa fora de moda…), beija-mão, lambe-botas (coisa feia!), bebe-sura (sendo ave, temos o hífen por duas razões), bebe-azeite (um dos nomes vernáculos dados à coruja-das-torres), etc.
Olá! Sou a bebe-azeite. No Alentejo, chamam-me coruja-azeiteira. ;)
 
 
CONCLUSÃO:
Portugal (norma luso-afro-asiática) e Brasil (norma brasileira)
saca-rolhas
Notas: O plural é igual ao singular.
Abraço.
AP
P.s.
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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

.A avaliação dos professores e o Novo Acordo…

Imagem encontrada AQUI.

Li há pouco o “Guião de observação da dimensão científica e pedagógica” a utilizar na avaliação dos professores portugueses. Não vou fazer comentários em relação à filosofia do documento, pois considero que a avaliação do desempenho continua a não ter nem validade nem fiabilidade.
O(s) redator(es) do documento aplicaram de forma descuidada o Novo Acordo Ortográfico, misturando a Norma de 1945 com o Acordo de 1990. A par de didáticos, selecionados e atividades, encontramos “objectivos” (duas vezes) e “aspectos” (três vezes).
Vamos por partes.
A. Em relação a “objectivos”, não se compreende a opção, uma vez que a palavra não se enquadra em nenhum do três tipos de dupla grafia referidos no NAO.
B. Quanto a “aspectos”, a escorregadela poderá ter origem no ponto 1. c) da Base IV: “Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto e cato, caracteres e carateres, dicção e dição; facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção e receção; 
Não estando delimitado no extrato o âmbito de aplicação de cada uma das grafias, teria sido prudente esclarecer o assunto, tendo em conta o que está na Nota Explicativa do Acordo: “Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.
C. Que dicionário consultar? Sendo o Portal da Língua Portuguesa o órgão oficial do Novo Acordo, consultá-lo teria compensado. Clicando sucessivamente em “Vocabulário da Mudança” e “Palavras afetadas pelo AO”, tudo teria ficado clarinho como água:
Ortografia Antiga (1945)
Ortografia Antiga (1943)
Ortografia Nova
Notas
objectivo
objetivo, objectivo
objetivo, objectivo
objectivo não é usado em Portugal
aspecto
aspecto, aspeto
aspeto, aspecto
aspecto não é usado em Portugal
Nota: O Acordo vigente em Portugal datava de 1945, enquanto o Brasil seguia o Formulário de 1943.

Conclusões:
Em Portugal, as formas adequadas são aspeto e objetivo.
No Brasil, há dupla grafia aspecto/aspeto e objectivo/objetivo.

Abraço.
AP
P.s.1 No parâmetro “Pedagógico (segurança)”, lemos: “acompanhar a prestação dos alunos e proporcionar-lhe informação sobre a sua evolução”. Proporcionar a quem? Ao professor? Hum… deve ser a tal dimensão formativa do processo. Claro que é uma gralha que não devia ter acontecido.

P.s.2
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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

.louva a Deus ou louva-a-deus?

Surpreendi-a, a espiar-me, no topo de uma folha de couve-galega...
 
Pouco depois, arrogante, virou-me as costas e foi à sua vida de carnívora implacável!

A mensagem de hoje é uma revisão da matéria "dada" e surge na sequência do feliz tête-à-tête, esta tarde, na minha horta, com este fascinante insecto ortóptero.
Neste caso, o Acordo não introduz alterações e mantém o que já aplicávamos com a Norma de 1945:
Emprega-se o hífen nas palavras compostas que designam espécies botânicas e zoológicas, estejam ou não ligadas por preposição ou qualquer outro elemento: abóbora-menina, couve-flor, erva-doce, feijão-verde; bênção-de-deus, erva-do-chá, ervilha-de-cheiro, fava-de-santo-inácio, bem-me-quer (nome de planta que também se dá à margarida e ao malmequer); andorinha-grande, cobra-capelo, formiga-branca; andorinha-do-mar, cobra-d'água, lesma-de-conchinha; bem-te-vi (nome de um pássaro)”. (NAO, Base V, ponto 3)

CONCLUSÃO:
Portugal (norma luso-afro-asiática) e Brasil (norma brasileira)
um ou uma louva-a-deus
Notas:
1. O plural é igual ao singular: louva-a-deus.
2. O Vocabulário do Portal da Língua Portuguesa, ao contrário dos dicionários, diz que a palavra é do género masculino.
Abraço.
AP