O dilema de hoje também está no coração
da Base IV do Novo Acordo que determina, em relação às letras c e p,
a sua eliminação (quando invariavelmente mudas), conservação (se invariavelmente
pronunciadas) e conservação/eliminação (havendo oscilação de pronúncia, no
âmbito do espaço geográfico de cada país).
No caso de Portugal, é claro que todos
os falantes pronunciam o c de facto, pelo que devem escrevê-lo, não sendo
admissível a grafia fato.
No Brasil, esta questão das consoantes
mudas/pronunciadas foi regulada pela Base IV do Formulário Ortográfico de 1943
(redigido por uma equipa luso-brasileira, mas aplicado apenas no Brasil) que
determinou:
a) “Não se escrevem as consoantes que se
não proferem”. De lado de lá do Atlântico, já há 70 anos que o óptimo passou a ser ótimo
e o director ficou mais leve, passando a diretor. Noutros casos,
os dois países convergiram na simplificação, embora não em simultâneo: asthma/asma,
assignatura/ assinatura, sciencia/ciência, gymnásio/ginásio, inhibir/inibir,
psalmo/salmo, etc.
b) “Devem-se registrar os vocábulos
cujas consoantes facultativamente se pronunciam, pondo-se em primeiro lugar o
de uso mais generalizado, e em seguida o outro.” Exemplos: aspecto e aspeto,
contacto e contato, corrupção e corrução, infecção e infeção, secção e seção,
sumptuoso e suntuoso, tacto e tato, tecto e teto.
Considerando que tanto o Portal da
Língua Portuguesa como a Academia Brasileira das Letras registam as grafias
fato e facto para o Brasil, parece-me ser um dos casos previstos na alínea b), acima transcrita.
Informação do Portal da Língua
Portuguesa:
Ortografia
Antiga (1945)*1
|
Ortografia
Antiga (1943)*2
|
Ortografia
Nova
|
Notas
|
facto
|
fato, facto
|
facto, fato
|
Na prática, a situação anterior não muda
|
Pesquisa no Vocabulário da Academia
Brasileira das Letras:
fato
s.m.
facto
s.m.
CONCLUSÕES:
Facto para Portugal,
uma vez que o c é sempre pronunciado.No Brasil, o uso generalizado é fato. No entanto, as fontes fidedignas já referidas parecem legitimar também o uso de facto.
NOTAS FINAIS:
1. "A nova ortografia só se estenderá a todos os textos do jornal,
respectivamente primeira página e manchete, quando já ninguém estranhar a
palavra 'facto' escrita sem cê." Estas declarações de Octávio
Ribeiro, diretor do jornal Correio da
Manhã, que simbolizam uma corrente de opinião assumida por outras figuras
conhecidas (como o ator Nicolau Breyner), nascem de uma interpretação à letra
do texto do Novo Acordo, que consagra as duplas grafias:
“Conservam-se ou eliminam-se facultativamente, quando se
proferem numa pronúncia culta, quer geral, quer restritamente, ou então quando
oscilam entre a prolação e o emudecimento: aspecto e aspeto, cacto
e cato, caracteres e carateres, dicção e dição;
facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro,
concepção e conceção, corrupto e corruto, recepção
e receção;” Base IV, ponto 1. b).
Esta alínea diz respeito a toda a
lusofonia e não pode ser aplicada integral e acriticamente a todos os países.
A nota explicativa que acompanha o
texto do Acordo não pode ser ignorada. No capítulo Conservação
ou supressão das consoantes c, p, b, g, m e t em certas sequências
consonânticas (base IV), lemos: “Os dicionários da língua portuguesa, que passarão a registar as duas
formas em todos os casos de dupla grafia, esclarecerão, tanto quanto possível,
sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.”
Consultando os dicionários, o Portal
da Língua Portuguesa e a Academia Brasileira das Letras, verificamos que as
duplas grafias referidas no Base IV são de naturezas diferentes:
1. Duplas grafias apenas no Brasil: aspecto
e aspeto, dicção e dição, corrupto e corruto,
facto e fato.
2. Duplas grafias não coincidentes no
mesmo espaço geográfico: cacto, concepção e recepção
(apenas no Brasil); cato, conceção e receção (apenas em Portugal).
3. A dupla grafia caracteres/carateres
aplica-se apenas a Portugal.
4. O par sector/setor é o único
dos exemplos apresentados que é válido para todos os países lusófonos
Nota: Quanto ceptro e cetro,
deve tratar-se de um lapso, pois, com a aplicação do Acordo, passou a haver uma
única grafia em todo o espaço da língua portuguesa: cetro.
2. Em caso de dúvida, a consulta (rápida
e gratuita) de um dicionário online poupa tempo
e arrelias. Lançando a palavra de hoje no dicionário Priberam, (http://www.priberam.pt/dlpo),
obtemos este resultado:
facto
(latim factum, -i, aquilo que se fez, façanha, proeza, ..ato)
(latim factum, -i, aquilo que se fez, façanha, proeza, ..ato)
s. m.
1. Coisa
realizada. = .ATO., FEITO
2. Acontecimento.
3. Sucesso.
4. Assunto
(de que se trata).
5. Lance.
de facto.: com efeito; na verdade.
ao facto.: com conhecimento (ex.: estar
ao facto., pôr ao facto.). = INFORMADO
[Direito]
[Direito] facto jurídico:
acontecimento que pode criar, modificar ou extinguir um direito
» Grafia no Brasil: fato.
Abraço.
APNova mensagens no http://portuguesemforma.blogspot.pt:
Na ponta da língua: record ou recorde?
Olá,
ResponderExcluirVerdade!
"Clarinho como água" e muito bem explicado, à "setor", quero eu dizer.
Mas, essa do "cetro" não sabia. Estranho. Estou a pronunciar e não me soa nada bem.
Então recebeu o meu e-mail, desejando-lhe FELIZ ANIVERSÁRIO?
Descuidei-me com o dia 15. Foi isso.
Abraços da Luz, com luar.
Sou brasileiro, só digo corrupção, dicção, aspecto, recepção, concepção. Sem C ou P fica muito estranho
ResponderExcluirObrigado pelo seu comentário.
ExcluirEscrever como diz que sempre fez (com C e P) está correto. No entanto, há que separar as águas, considerando o que escrevi no artigo.
1º Como falante brasileiro, teria mesmo de escrever recepção e concepção, pois são as únicas grafias válidas para o Brasil.
2º Quanto a aspecto, corrupção e dicção, pode o leitor continuar a incluir o C e o P nas três palavras, mas garanto-lhe que há dupla grafia que permite escrever, no Brasil, aspeto, corrução e dição. Se consultar o VOLP da Academia Brasileira de Letras (http://www.academia.org.br), confirmará que assim é. Se sempre escreveu de outra forma, é natural que lhe pareçam estranhas estas grafias alternativas.
Cumprimentos.
António Pereira
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirCaro Zephyrus:
ExcluirRetomo o que respondi ao comentário de outro leitor: "há dupla grafia que permite escrever, no Brasil, aspeto, corrução e dição. Se consultar o VOLP da Academia Brasileira de Letras (http://www.academia.org.br), confirmará que assim é. Se sempre escreveu de outra forma, é natural que lhe pareçam estranhas estas grafias alternativas."
Sendo a ABL o órgão máximo da língua portuguesa no Brasil, ela legitima o uso das grafias cujos verbetes apresenta, independentemente de serem usadas ou não pelos falantes.
Cumprimentos.
António Pereira
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirOlá, mais uma vez.
ExcluirConfirmei há pouco no Portal da Língua Portuguesa que existe mesmo uma dupla nas três palavras. ASPECTO/ASPETO (ver http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&version=all); CORRUPÇÃO/CORRUÇÃO (ver http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=c); DICÇÃO/DIÇÃO (ver http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=d).
A língua portuguesa é, há muito tempo, um dos motivos de interesse da minha vida. No entanto, não sou globalmente contra ou a favor o AO90. Neste blogue, divulgo as mudanças sempre numa perspetiva crítica, o que pode deixar a impressão de que sou contra o AO. Tento apenas ser objetivo, ter uma postura intelectual honesta e ser útil aos leitores.
Abraço e volte sempre.
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirNão houve qualquer mudança. As duplas grafias aspecto/aspeto, corrupção/corrução e dicção/dição já existiam no português do Brasil antes da adoção do Novo Acordo. Há mais de 600 palavras com dupla grafia no Brasil.
ExcluirClaro que se não quiser aceitar o que estou a dizer-lhe, está no seu direito...
Bom domingo.
Não é questão de aceitar ou não aceitar. O fato é que nunca foi ensinado outra grafia senão a que mencionei, e a única fonte que você menciona, o VOLP, cita o novo acordo.
ExcluirJá vi portugueses indignados com a mudança nessas palavras, no entanto, no Brasil não se falou sobre elas. O que pra mim comprova duas coisas: 1) esse acordo ortográfico não padroniza coisa alguma 2) o VOLP provavelmente inclui todas as palavras do nosso idioma, incluindo as que estão com nova grafia, independente de país.
Isso aqui é um bate-papo amigável, ou tenho por obrigação aceitar sua posição? Obrigado pela atenção. Bom domingo pra você também.
1. Não indiquei apenas uma fonte. Na resposta ao seu comentário de 17/5, às 02.17, citei o Portal da Língua Portuguesa, onde claramente se diz que aquelas duplas grafias já existiam antes da criação e aplicação do AO90. Passo a transcrever:
Excluir1. Ortografia antiga (1943): aspecto, aspeto; Ortografia nova: aspecto, aspeto.
(Fonte: http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=a)
2. Ortografia antiga (1943): corrupção, corrução; Ortografia nova: corrupção, corrução.
(Fonte: http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=c)
3. Ortografia antiga (1943): dicção, dição; Ortografia nova: dicção, dição.
(Fonte: http://portaldalinguaportuguesa.org/novoacordo.php?action=novoacordo&act=list&letter=d)
NOTAS:
1. A data de 1943 não deixa dúvidas, as duplas grafias já eram reconhecidas pelo Formulário Ortográfico de 1943, documento válido apenas para o Brasil. Em Portugal, as regras que estavam em vigor antes do AO datam de 1945.
2, O que indico não é a minha posição, pois não tenho conhecimentos para ter posição em matéria tão complexa, mas apenas o resultado de consulta de documentos.
3. É natural que não se tivesse falado destas duplas grafias no Brasil, pois elas já existiam.
4. O facto de não ter aprendido algumas destas grafias não é de espantar. Na escola não se aprende tudo o que está nas gramáticas, nos dicionários e nos vocabulários. Sou professor aposentado e, com muita frequência, descubro grafias do português europeu que não aprendi na escola e que desconhecia...
Quem faz o idioma é o povo, sendo assim, palavra não escrita, não usada, não existe. Consultei aqui um velho dicionário, em vários volumes, e não encontrei a palavra "corrução". Mas enfim, a gente só vai ficar se repetindo, pelo jeito, e esse tom arrogante não me agrada.
ResponderExcluirAbraço, e tudo de bom.
Talvez o calor da minha argumentação possa tê-lo levado a interpretar dessa forma, mas a arrogância não é algo que cultive na minha vida.
ExcluirVoltando à "corrução", pode encontrá-la nos dicionários brasileiros Aulete e Michaelis: "cor.ru.ção sf (lat corruptione) 1 O mesmo que corrupção. 2 O mesmo que máculo."
Além da ABL, também o Portal da Língua Portuguesa regista a palavra e associa-a ao Brasil: "cor·ru·ção - Brasil".
Abraço e boa semana.
P.s. O que o levou a apagar parte dos comentários que fez?
Olá de novo.
ExcluirDepois da nossa última troca de comentários, tive oportunidade de falar com um amigo brasileiro da área da linguística que me confirmou o que os verbetes apresentados no VOLP da ABL são válidos apenas para o Brasil e não para todo o mundo lusófono.
Cumprimentos.
António Pereira
Antônio Pereira, vejo que que o senhor foi humilde e mui paciente com essa criatura na evoluída chamada, Zeplyrus. Vejo que o senhor não é simplesmente um professor, mas um mestre. Um abraço desse seu fã anônimo !!!!!!!!!!
ExcluirCaro Danial, obrigado pelo seu comentário generoso. Retribuo com muito gosto o abraço. ;)
ExcluirEntão "Fato" sem o cê é certo também?
ResponderExcluir"Fato" sem cê é uma grafia certa, mas apenas para o Brasil.
ExcluirAdorei essa página !
ResponderExcluirEsclarecedor e muito objetivo o professor, Pereira.
Obrigado, Paulo.
ExcluirAbraço desde Lisboa.