Segundo os linguistas, a língua que falamos
é um fator de unidade. Mas também pode ser uma fonte de mal-entendidos...
O AO90, criado para simplificar e unir, transformou-se
na gasolina que tem alimentado a fogueira de paixões que nos tem dividido entre
os “pró” os “contra” e os “assim-assim”, que é o meu caso.
A. Esta nova realidade linguística tem gerado
opiniões e movimentos para todos os gostos.
Para alguns (no Brasil) ficou-se aquém do
que era desejável; por cá, foi-se além do que era admissível.
Para uns, é tudo ilegal, o AO não está em
vigor, não senhor! Para outros, está em vigor, mas não devia estar. E há ainda
os que, discretamente, vão dizendo que está mesmo em vigor e muito bem!
B. 1. E surgiram, como cogumelos, os grupos dos amigos:
.Os amigos dos “cês” e dos “pês” que, mesmo
mudos, coitadinhos, sempre fizeram parte da família e têm direito à vida.
Foi-se o “p” de “Egito”, deixando estupefactos os que o que o pronunciam, mas ficou em “egípcio”...
.Os amigos do “cágado”, como o juiz Rui
Teixeira, que sonhou que iam tirar o acento ao animal, coisa que qualquer
pessoa minimamente asseada não pode admitir;
.Os amigos do Lince, como Vasco da Graça Moura,
que mandou retirá-lo de todos os computadores do CCB. Que jeito tinha estar o
animal ali fechado 24 sobre 24, como diria a Teresa Guilherme?
.Os amigos do trema (no Brasil). Sem
aqueles olhinhos (¨) sobre o “u” da linguiça, o churrasquinho já não será a mesma
coisa…
.Os amigos do “tecto”. Retirar o “c”,
mesmo mudo, é inaceitável e conduzirá ao impensável: o “teto”, que, mais tarde
ou mais cedo, será pronunciado à tia: “têto”, uma espécie de marido da “teta”…
B. 2. A lista dos amigos já vem de 1911:
.Os amigos do “ph”:
-Fernando Pessoa, contra tudo e contra todos,
continuou a escrever “philosophia” e “phosphoro”;
-o linguista Alexandre Fontes afligia-se
com a ideia de escrever “fase” em vez de “phase” e dizia, incomodado: “parece-nos
um esqueleto”.
.Entre os amigos do “y”, estiveram
Fernando Pessoa (para quem o “y” de “cysne” fazia lembrar o longo pescoço do
animal) e Teixeira de Pascoaes que achava que:
-substituir o “y” por “i” em “lagryma”
quebrava a harmonia da palavra e era uma ofensa à estética;
-escrever “abysmo” com “i” latino era
retirar-lhe profundidade e transformá-lo numa superfície banal.
E o” dipthongo“?
Perdeu-se para sempre, triste e sozinho,
sem amigos nem defensores.
Não se compreende! De boas famílias (do grego
díphthoggos, «que tem dois sons»,
pelo latim diphthongu-), estava ele, lindo e posto em sossego,
em 1911, quando, de repente, veio o Formulário Ortográfico… e comeu-o! Mais
exatamente, comeu-lhe um “p” e um “h”, transformando-o no ditongo que temos hoje. Desfigurado para sempre, continua a prestar
bons serviços à fonética e à ortografia…
Poderia ainda falar-vos do tritongo, mas
chega de histórias tristes e de mutilações...
Bom 2014 pra todos!
António Pereira
Imagem encontrada AQUI.
Nenhum comentário:
Postar um comentário